Dispute boards: prevenção de conflitos e eficiência contratual

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Com um número estimado em 80 milhões de processos judiciais em andamento, o Brasil é amplamente reconhecido como um país de alta litigiosidade. A morosidade e o custo das disputas judiciais tornam-se, cada vez mais, um fator de risco relevante para grandes negócios, especialmente (mas não apenas) nos setores de infraestrutura, energia e construção civil.
Diante desse cenário, as empresas têm buscado formas mais rápidas, técnicas e econômicas de resolver controvérsias. Além da arbitragem e da mediação, já conhecidas do mercado, ganha força no Brasil um mecanismo amplamente utilizado internacionalmente: o dispute board (DB).
Esse mecanismo consiste em um comitê permanente formado por profissionais independentes e especializados, que pode ser estabelecido por um contrato para monitorar sua execução e prevenir disputas decorrentes de interesses individuais conflitantes das partes. Diferentemente de medidas judiciais ou de procedimento arbitral, a que se recorre após um litígio surgir, a atuação do DB ocorre de forma preventiva (ex ante) e contínua, ajudando as partes a evitar o escalonamento de um potencial litígio e a eventual judicialização ou submissão à arbitragem, de forma a garantir o cumprimento do contrato ou manter um projeto comum em seu devido andamento.
Funcionamento do dispute board
Normalmente, o DB é composto por três membros: dois especialistas técnicos (cada um indicado por uma das partes) e um presidente, apontado pelos especialistas e escolhido de comum acordo, geralmente com formação jurídica. Esse comitê acompanha a execução do contrato, analisa documentos, realiza visitas periódicas e emite recomendações ou decisões sobre divergências pontuais.
A grande vantagem é que o DB nasce junto com o contrato, sendo instituído por cláusula específica e formalizado por termo de instauração assinado por seus membros e pelas partes. Dessa forma, atua preventivamente desde o início da execução contratual, preservando o bom relacionamento entre as partes e garantindo a continuidade do projeto objeto do contrato, mesmo diante de impasses emergentes. Além disso, sua estrutura pode ser adaptada a diversos tipos de contrato e projeto, havendo muita flexibilidade na definição de sua atuação e dos respectivos limites, conforme a vontade das partes.
Modalidades do dispute board
Existem três tipos principais de DB, conforme suas funções:
Dispute Review Board (DRB): emite recomendações não vinculantes;
Dispute Adjudication Board (DAB): emite decisões vinculantes, de cumprimento obrigatório;
Combined Dispute Board (CDB): combina recomendações e decisões, conforme a necessidade.
Independentemente do tipo adotado, o objetivo é o mesmo: evitar que divergências técnicas e jurídicas travem a execução do contrato e se transformem em litígios onerosos. As partes submetem periodicamente ao comitê relatórios e informações sobre a execução do contrato e o andamento do projeto acordado, permitindo que o DB identifique e resolva potenciais conflitos antes que causem paralisações e outros transtornos.
Aplicações e resultados
O uso de dispute boards é amplamente consolidado em países como os Estados Unidos e o Reino Unido. Desde a década de 1970, cerca de 90% dos contratos de construção norte-americanos incluem cláusula de DB. De acordo com a Dispute Resolution Board Foundation, 99% dos litígios surgidos na execução desses contratos são resolvidos em menos de 90 dias, evitando custos e atrasos significativos.
No Brasil, o modelo tem sido adotado no âmbito da construção de grandes obras públicas e privadas, como da Linha 4-Amarela do Metrô de São Paulo e dos estádios da Copa do Mundo de 2014. Algumas Prefeituras, como a de São Paulo, já editaram normas municipais que incentivam o uso do mecanismo em licitações e contratos de infraestrutura. É importante ressaltar que, no contexto brasileiro, não há qualquer barreira legal para a implementação do DB, que pode ser adotado em qualquer contrato em que as partes considerem conveniente sua utilização, com base na autonomia privada e na liberdade contratual.
O propósito principal do DB é manter o contrato vivo, isto é, garantir que sua execução não seja interrompida por litígios. O método oferece:
Celeridade: as divergências são resolvidas em semanas (e não em anos);
Economia: os custos da atuação de um DB são muito inferiores aos de um processo judicial ou arbitral, diante do risco reduzido de paralisação da execução do contrato, o que também evita prejuízos a investimento realizados;
Transparência: acompanhamento técnico e contínuo da execução contratual;
Segurança jurídica: decisões baseadas em critérios técnicos e na boa-fé contratual;
Preservação de relações comerciais: solução cooperativa e sem desgaste entre as partes.
Além disso, os custos de manutenção do DB (normalmente com honorários mensais dos membros e visitas periódicas) são previsíveis e compartilhados. Mesmo no caso de reuniões extraordinárias ou deliberações adicionais, o valor total tende a ser significativamente menor do que o custo de uma disputa judicial.
Papel estratégico do advogado
A adoção de dispute boards também transforma o papel do advogado empresarial. Em vez de atuar apenas na fase contenciosa, o profissional passa a ter uma função preventiva e negocial, acompanhando a execução do contrato e orientando as partes na construção de soluções consensuais.
Essa mudança de perspectiva reforça a importância de cláusulas bem estruturadas e de uma assessoria jurídica presente desde a concepção do contrato, garantindo que o DB funcione como um instrumento de governança contratual, e não apenas como uma alternativa ao litígio.
Instrumento de eficiência e confiança
O avanço dos dispute boards no Brasil representa um movimento de maturidade empresarial. Ao priorizar a prevenção e o diálogo, as empresas reduzem custos, preservam parcerias e transmitem credibilidade ao mercado e aos investidores.
Mais do que um mecanismo de prevenção e resolução de conflitos, o dispute board é uma ferramenta de eficiência, transparência e segurança contratual, atributos indispensáveis a qualquer negócio que busca sustentabilidade e solidez em um ambiente de alta complexidade.
Por Lorena Geiger Hauser, advogada da Andersen Ballão Advocacia e especialista em direito empresarial. E Luciana de Sousa Carboni, advogada do escritório Andersen Ballão Advocacia.
Fonte: Conjur – 1 de dezembro de 2025, 11h23
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