O conceito de consequencialismo na Administração Pública, fortalecido pela Lei nº 14.133/2021, busca mudar a forma de encarar — e superar — os vícios e irregularidades nos contratos administrativos. Diferentemente da abordagem anterior (Lei nº 8.666/1993), em que se primava pela aplicação rigorosa da norma-regra, independentemente das consequências práticas, o consequencialismo propõe que a decisão sobre a nulidade de um contrato administrativo deve considerar, de forma ponderada, os impactos das escolhas feitas e as implicações que elas terão no interesse público.
Este novo modelo de análise reflete uma transição do formalismo jurídico para uma perspectiva mais pragmática e adaptativa, considerando as realidades econômicas, sociais e ambientais.
O consequencialismo, portanto, não busca eliminar a aplicação do Direito ou de qualquer regra jurídica, mas sim garantir que, ao aplicar as normas, sejam levadas em consideração as consequências reais das decisões administrativas. Isso significa que, ao avaliar a nulidade de um contrato administrativo, deve-se avaliar se o desfazimento do contrato será mais prejudicial ao interesse público do que a sua manutenção.
A nulidade de um contrato administrativo tem sido um tema de extrema relevância na Administração Pública, uma vez que a rescisão de um contrato pode ter implicações graves e de longo alcance, especialmente nos considerados de grande porte, como os de obras públicas e concessões de serviços essenciais.
A Lei nº 14.133/2021, ao adotar o consequencialismo, relativiza as nulidades, permitindo que, em determinadas situações, um contrato administrativo irregular seja mantido, desde que sua extinção traga prejuízos maiores à Administração ou à sociedade.
O artigo 147 da Lei nº 14.133/2021 estabelece que, no caso de irregularidades no procedimento licitatório ou na execução contratual, a decisão administrativa sobre a suspensão ou anulação do contrato somente será tomada quando, necessariamente, represente uma medida de interesse público. A Administração Pública deverá avaliar uma série de fatores, como os impactos econômicos, sociais e ambientais, os custos de desmobilização e o impacto sobre os serviços públicos prestados à população.
Mudança de paradigma
Este dispositivo legal reflete uma mudança de paradigma, ao fazer com que a Administração Pública atue de maneira mais flexível e sensível às circunstâncias concretas de cada caso, não mais se limitando à aplicação da nulidade em casos de irregularidades formais, mas avaliando de maneira pragmática os danos que poderiam ser causados pela paralisação ou rescisão do contrato.
O consequencialismo adotado pela nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos também encontra suporte nos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. Antes de declarar a nulidade, a Administração Pública deve sopesar os danos, cotejando os benefícios decorrentes da manutenção do contrato.
Esses princípios permitem que se tenha uma visão mais equilibrada sobre a aplicação do Direito, considerando que os administradores públicos devem considerar os efeitos práticos e as consequências sociais e econômicas das suas decisões, em uma análise de custo-benefício.
A decisão administrativa, portanto, deve justificar e explicar as razões pelas quais uma medida mais rigorosa, como a nulidade, é desnecessária e até contraproducente. A ideia é que, em muitas situações, a manutenção do contrato, com a correção dos vícios administrativos ou com a adoção de outras soluções consensuais, seja mais benéfica ao interesse público do que a simples anulação e recomeço do processo.
Diversas decisões administrativas e judiciais têm refletido essa tendência de relativização das nulidades. O Superior Tribunal de Justiça (STJ), por exemplo, tem adotado uma postura de ponderação ao analisar a validade de contratos administrativos. Em alguns casos, apesar da constatação de irregularidades substanciais, a Corte tem optado por permitir o saneamento do contrato, visando garantir que a extinção do vínculo não cause prejuízos mais graves ao interesse público.
No caso do Recurso Especial nº 950.489/DF, por exemplo, o STJ decidiu que a continuidade dos serviços públicos essenciais prevalecia sobre a simples anulação de um contrato que apresentava falhas formais. A Corte entendeu que, ao anular o contrato de concessão para serviços funerários no Distrito Federal, seriam causados danos à população, como a paralisação dos serviços e o fechamento de postos de trabalho. O tribunal, portanto, optou por permitir a correção das irregularidades, mantendo a continuidade do serviço e garantindo a segurança jurídica.
Outra importante inovação trazida pela Lei nº 14.133/2021 é a possibilidade de soluções consensuais (artigo 151) para resolver irregularidades contratuais. Em vez de adotar uma postura unicamente punitiva, a lei abre espaço para que a Administração Pública busque soluções alternativas, como acordos entre as partes ou a adoção de mecanismos de mediação e arbitragem. Isso contribui para resolver as pendências contratuais sem a necessidade de ruptura abrupta do vínculo, evitando o impacto negativo que a paralisação de um contrato pode gerar.
Esse mecanismo é especialmente útil em relação aos contratos de grande vulto ou de caráter estratégico, como as obras de infraestrutura, em que a simples anulação pode resultar em grandes custos e até na impossibilidade de execução do serviço contratado.
Portanto, a incorporação do consequencialismo e a relativização das nulidades nos contratos administrativos representam um avanço significativo na Administração Pública, permitindo uma gestão mais flexível e sensível às consequências das decisões administrativas.
Ao priorizar o interesse público e a continuidade dos serviços essenciais, a Nova Lei de Licitações oferece à Administração Pública uma ferramenta mais eficaz para lidar com os vícios contratuais, permitindo a manutenção dos contratos quando mais benéfico for à sociedade.
Desse modo, o consequencialismo não significa a impunidade ou a aceitação de irregularidades, mas sim a ponderação das consequências dessas irregularidades para decidir qual é a melhor solução para o interesse público. Essa abordagem promete tornar as contratações públicas mais eficientes e menos suscetíveis a paralisações que causam danos econômicos e sociais.
Por Guilherme Carvalho, doutor em Direito Administrativo, mestre em Direito e políticas públicas, ex-procurador do estado do Amapá, bacharel em administração e sócio fundador do escritório Guilherme Carvalho & Advogados Associados e presidente da Associação Brasileira de Direito Administrativo e Econômico (Abradade). E Noel Baratieri, doutor em Direito pela UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), advogado, professor e palestrante.
Fonte: Conjur – 5 de dezembro de 2025, 11h23
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